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Editorial - "estar vivo é lutar"

Uma "googlada" e pronto! Os mais importantes veículos de mídia digital ecoaram o editorial da 'The Lancet', uma das revístas científicas de medicina mais importantes do mundo, desta quinta-feira, 7. O texto é uma dura crítica vinda de fora ao governo brasileiro que, "por palavras, atos e omissões", tem medido forças com o SARS-Cov 2 (o novo corona vírus) e, em aberto desacordo com toda a Comunidade Global, exposto a população brasileira ao que ainda pode se tornar uma enorme tragédia.

O texto diz:

"Ainda assim, talvez a maior ameaça à resposta ao COVID-19 para o Brasil seja o seu Presidente Jair Bolsonaro. Quando na semana passada os jornalistas o questionaram sobre o rápido aumento de casos, ele respondeu: 'E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?' Ele [...] continua semeando confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distânciamento físico e confinamento introduzidas pelos Governadores de estado e pelos Prefeitos das cidades[...]. Esta desorganização no centro da administração do governo é não só uma distração com consequências fatais no meio de uma situação de emergência de saúde pública, mas também um forte sinal de que a liderança no Brasil perdeu o seu compasso moral, se é que alguma vez teve um".

A crítica tem ainda um outro (não menos triste e preocupante) pano de fundo. No final de semana anterior, em ato silencioso e pacífico por melhores condições de trabalho e pelo isolamento social, na Praça dos Três Poderes, na Capital Federal, um grupo de enfermeiros foi agredido por manifestantes apoiadores do Presidente da República. Antes ainda, em 17 de abril, um grupo de cientistas da Fiocruz no Amazonas, que pesquisava efeitos da cloroquina em pacientes de Covid-19, sofreu ameaças de morte. É justo num cenário de fragilidade sanitária mundial e, irônicamente, de protestos e desconfianças contra vacinas (uma crise que não é exclusividade do Brasil) que o governo Jair Bolsonaro vem sistematicamente atacando e desmontando a Ciência no país. Atento a isso, o editorial da "The Lancet" volta à carga:

"Há muita pesquisa a ser feita, desde as ciências básicas à epidemiologia, e há uma produção rápida de equipamentos de proteção individual, respiradores, e kits de teste. Estas são ações esperançosas. [...] O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao “E daí? “ do Presidente".

Esse era o cenário no momento em que o grupo de whatsapp "Família Nebsteriana" notificou duas mensagens da líder do grupo, a Professora Dra. Anna Karenina, uma com o editorial de "The Lancet" e outra, oito minutos depois, com um áudio pra encorajar a todas e todos do grupo a seguirem firmes na luta, cada um/a em seu fronte. Segue o texto transcrito da mensagem:


Já que não fizemos nossa reunião essa semana e eu fico morrendo de saudade de vocês deixa eu mandar um áudio pelo menos assim aplaca a minha saudade. Eu queria só compartilhar com vocês e compartilhar da angústia que o Rafael está sentindo, que isso tudo que nós estamos vivendo diz respeito exatamente a nossa escolha de se envolver num projeto de iniciação científica, de mestrado, na vida acadêmica no meu caso como um todo, no doutorado, e não tenham dúvida de que os problemas da humanidade serão sempre os mesmos, cabe a vocês escolherem em que quadrado vocês vão querer lutar. Por que a vida é luta, não tem outro sinônimo para isso; estar vivo é lutar.

Quando a gente escolhe uma graduação a gente sem querer está escolhendo uma bandeira para levantar, né?! Porque aquilo ali, aquele ideal de curso, se alinha com o que eu penso ou com aquilo que eu intuo ou com aquilo que, sei lá, em algum momento eu escolhi. As nossas decisões por fazer uma graduação muitas vezes são completamente aleatórias, mas fato é, que a graduação nos marca e mesmo quando você faz uma, duas, três você vai juntando marquinhas. E quando você decide ir para a pós-graduação, quando você decide fazer disso a sua carreira é a mesma coisa de quando a gente escolhe ter como carreira o celibato e a vida religiosa ou a vida artística - não tem diferença nenhuma - ou quando você resolve ser um empreendedor e plantar café orgânico sombreado no Sul de Minas (esse é o meu objetivo agora).

Teremos que mover mundos o tempo inteiro. Por exemplo, a gente tem no nosso grupo várias pessoas do curso de Obstetrícia. Escolher Obstetrícia como graduação ou é um desaviso ou é a vontade de passar a vida profissional brigando quer seja numa sala de parto, quer seja na gestão de políticas públicas para a saúde da mulher, quer seja dentro de um laboratório. Então, meus amores, o que a gente está vivendo agora a gente já viveu outras vezes e talvez nós venhamos a viver de novo. O que eu realmente acredito é que a história que a gente vive ela se imprime na gente e nos ensina de algum modo. Por isso que eu acho que são tão importantes os memoriais, por isso que esse tipo de registro é tão fundamental: para que a gente não esqueça a história que a gente viveu, para não repetir os mesmos erros e mesmo que nós repitamos os mesmos erros, eu acho que a gente nunca repete exatamente da mesma forma, né?!

Acho que nunca nós tivemos tantas pessoas envolvidas com ciência, entre os trabalhadores da ciência - o que nós somos né?! Somos estivadores da ciência nada mais, não tem nenhum glamour no trabalho científico e no trabalho intelectual, como a gente historicamente construiu. Não tem! Vocês podem atestar que não há glamour em chegar 6 horas da manhã no laboratório para botar um animal de jejum para sacrificá-lo logo lá na frente, também não há glamour em preparar um experimento de 15 dias para a célula contaminar no décimo quarto, também não há glamour para treinar um animal todo dia da semana, também não há glamour em se deparar com a não compreensão de algum fato histórico.

Então, assim, se agarrem no que vocês têm de propósito na vida de vocês para a gente poder enfrentar isso tudo que a gente está enfrentando, porque outras dessas virão. Nós sempre estaremos do lado de quem luta, por que se vocês prestaram atenção, rapidamente a gente ataca a ciência, rapidamente o dinheiro deixa de ser enviado para educação e passa a ser desviado para outra coisa. Não é uma teoria da conspiração, mas é um movimento histórico, porque a gente inventou uma sociedade que presa muito mais pelo lucro, pela economia, uma economia que quando gira, gira para uma minoria e a gente continua se iludindo querendo comprar um carro, querendo ter um salário que me permita adquirir bens, achando que isso de fato é sustentável. E já já a gente vai ver que não. A gente já tá vendo que não é possível continuar com a lógica que nós temos.

Nossos desafios são inúmeros. Nós também como cidadãos demoramos; temos tempos distintos de perceber essa construção política em que nós estamos metidos. Não significa que por que nós somos cientistas nós sejamos éticos, não significa que por que nós sejamos cientistas nós estamos atentos às demandas globais. Nós vemos o tempo inteiro exemplo de cientistas e acadêmicos e intelectuais que não tem ética nenhuma, que não estão nem aí: o aquecimento global é ficção científica.

Mas é isso. Bom, eu quero que vocês fiquem muito bem. Eu estou tentando me manter bem; o tédio essa semana está me corroendo, assim, dos ossos para fora, mas é isso, cada um com seu, com a sua luta, cada um com a sua demanda, cada um dando conta de sobreviver e de ultrapassar bem essa fase. Acho que nós aqui no Brasil entramos no olho do furacão e vejamos quando vamos sair e como vamos sair. Lutem para que a gente saia melhor, mas não pensem que isso será natural. Não será natural.

Um beijo, amo vocês e se cuidem, cuidando de usar a máscara, mas arranjem uma máscara para alma, para o espírito também para cuidar desse aspecto invisível que a gente tem e que pode nos derrubar também né?!

Um beijo.



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